24 de junho de 2017

O Amanhecer das Princesas na Cachoeira do Jaguar: Capítulo V

Salve Deus!
Meu filho Jaguar!
Explica-se a diferença entre a velha estrada e o no caminho.
A velha estrada é cheia de medo, de temor a Deus. A velha estrada palmilhada por milhares de pessoas, milhares de teorias sempre escritas e nunca praticadas. O caminho, entretanto foi traçado pelo suor, pela própria energia de quem o traçou e vive a emitir com tanto amor.
Vamos sentir o caminho do Amanhecer, sem superstições e sem as teorias dos pensadores, pela vivência na prática, na execução desta Doutrina e seus fenômenos sensoriais.
Vamos senti-lo no respeito a dor alheia, no carinho aos humildes, no afeto das ninfas, no progresso e na compreensão de nossa família.
Este é o caminho traçado para o Homem na Doutrina do Amanhecer.
Que, diria que naquela Era distante os Enoques levassem tão alto esta filosofia esta Corrente.
Sim, Pai João, o mais velho, era quem observava com mais precisão o desenrolar das vidas nos carmas.  Suas preocupações aumentavam enquanto Pai Zé Pedro filosofava de vez em quando.
Os dias passavam sem qualquer anormalidade, isto é, sempre acontecendo fenômeno que ali já era corriqueiro. Porém só Deus sabia como e aonde chegariam. Havia dias alegres e outros menos alegres, porém sempre em harmonia.
Até que as forças foram se materializando e tudo começasse a ser mais verdadeiro, mais preciso.
Pai João se inebriava com todos aqueles fenômenos e estava sempre a espreita dos mínimos acontecimentos. Sempre cochilando em baixo de uma pequena árvore.
O pequeno arraial estava tranquilo quando Pai João, em um dos cochilos, viu um finíssimo fio magnético entrando numa cabas, ao mesmo tempo em que ouviu o grito desesperado de alguém fora atingido.
Era um fenômeno mediúnico, puramente espiritual. O grito era da jovem Iracema que rolava com uma dor na espinha, como se tivesse levado uma pancada.
Pai João então correu e fez uma “elevação” tirando-lhe a dor.
Ele então começou a pensar que nada havia enxergado, no entanto tinha certeza de ter visto aquele fio saindo da cabana do feitor.
Chamou então Pai Zé Pedro e contou-lhe o que vira e os dois começaram a ter medo da situação.
Nisto Jurema, manifestada por um caboclo começou a dizer:
-“Meus filhos! Tomem cuidado, esta feitor é um instrumento feliz de evolução. O pobre infeliz vive ainda pelas mãos caridosas de Sinhá Sabina. O fenômeno foi visto por vosmissê João, para que tome cuidado!”.
- Como? Perguntou Pai João.
            - “Ele vai entrando em transe – respondeu o caboclo – e sua alma ruim odiosa, pega a quem ele mais ama ou odeia”.
             - Salve Deus! – Disseram todos de uma vez.
- E eu pensava que somente os desencarnados atuavam...
            - “Sim – continuou o caboclo – vocês estão em uma jornada para desenvolvimento, até que passe todo o carma da escravidão”.
- O Homem será feliz quando tiver a libertação – disse Pai Zé Pedro.
- “Não – continuou o caboclo – O Homem jamais se libertará”. 
E dizendo isso deixou Jurema e se foi.
Todos ficaram sem entender nada. Jurema, porém entendeu e saiu correndo dali para a cabana do feitor, decidida a falar com ele e dizendo que iria matá-lo, quando Pai João, interferiu dizendo:
 - “Jurema, a concepção de Morte resulta de um entendimento completamente errado da Vida, porquê na verdade ela jamais existiu. O Espírito não morre e então o feitor nos atentará mil vezes mais. Matando-o ele ficará mais leve, mais sutil”.
-“Todos os que se perdem pelo pensamento e se enchem de ódio, ao serem desencarnados e no astral inferior, é evidente que voltam, sendo mais comuns as suas furiosas crises”.
- “Vamos Jurema, vamos tentar doutriná-lo antes que morra e se torne invisível aos nossos olhos”.
Chegaram à cabana do feitor. Ele estava esticado numa cama de vara e capim. Sabina veio sorrindo ao encontro deles. O feitor começou a espraguejar e Pai João a lhe fazer doutrina, porém com medo de Jurema que o observava seriamente com seus olhos verdes e amendoados.
Sem perceber, disse então Pai João:
- “Pobre imperador! Viestes com tão nobre missão e, no entanto eis o que restou! Pensa Eufrásio, no que estou te dizendo. Vou levar Jurema e voltarei”.
O dia já estava terminando quando Pai Zé Pedro e Pai João se encontraram de novo e se entenderam. Pai Zé Pedro deslumbrado ficava repetindo:
-“A irradiação dos encarnados se desprende do corpo e manifesta com a mesma leveza do espírito dos mortos...”.
Nisto se ouviu um grito e em seguidas gargalhadas; Pai Zacarias caira na Cachoeira e estava todo molhado, porém nada havia lhe acontecido senão o susto. Coisas dessa espécie aconteciam sempre.
Sim, mas essa alegria durou pouco. Chegou o feitor da fazenda onde Jurema vivia.
Todos se assustaram com o visitante.
Ele chegou arrogante e já ia pegando Juremá quando Tomaz gritou:
-“Larga, porco imundo! – aqui é diferente, nem tanto porque você vai morrer”.
O feitor esporeou o cavalo e marchou para Tomaz e num relâmpago passou por cima dele com o cavalo, esmagando o seu estômago. Quando Pai Zé Pedro e Pai João chegaram era tarde demais. Tomaz já estava morto!
Todos gritaram fazendo um ambiente de terror naquele lugar.
O feitor foi fugindo desapercebido levando Juremá.
 Aquela dor era grande demais e ninguém se lembrou do feitor assassino e nem de Juremá.
A morte de Tomaz trouxa tanta tristeza que mudou sintonia do lugar. Os Nagôs não cantaram mais e nas fogueiras riam algumas vezes. A harmonia, porém continuava.
Começaram então os projetos para irem buscar Juremá.
Tomaz fora quase criado por Pai Zé Pedro.
Dois Nagôs que muito amavam Pai Zé Pedro, resolveram buscar Juremá. Calados, sem que ninguém soubesse, puseram uma matula na mochila e se foram sem que ninguém soubesse. 
Jurema, porém os viu na sua vidência.
Pai João por sua vez sentiu tudo que estava se passando.
Todos, porém se fizeram de desentendidos e ninguém impediu os dois Nagôs. 
Jurema não olhava para Pai João e nem Pai Zé Pedro, pois viviam ainda o espírito de vingança pelo seu querido Tomaz.
E realmente Joaquim e Cassiano chegaram com Juremá.
Novamente o reboliço. 
Juremá não falava, perdera a voz.
Todos queriam saber o que houvera, porém nada diziam e ninguém tinha coragem de perguntar. Permaneciam em volta da fogueira e só se ouvia o murmúrio da Cachoeira. Ninguém tinha mesmo coragem de quebrar aquele silêncio.
De repente Jurema deu uma risada, Janaína foi para perto dela e as duas se abraçaram, Jurema, porém mantendo uma atitude que não era dela disse:
- Salve Deus! – e chamando Joaquim e Cassiano disse:
- Por que fizeram isso? – mataram o feitor e seu sinhozinho! Isto não é de um filho de Deus e que está a caminho! Terá que voltar a terra e receber o feitor como teu filho. E tu Cassiano terás o teu sinhozinho também como filho!
A estas alturas Cassiano e Joaquim já sabiam o que Jurema queria dizer.
- Me perdoe, bom espírito – disse Joaquim – porém aquele malvado matou nosso Tomaz em sua covardia!!!.
Cassiano por sua vez, perguntou ao espírito incorporado em Jurema se eles poderiam continuar vivendo ali.
- Sim, disse o espírito. Deus não tem pressa. Cada um daqui assumirá a sua sentença ou sua libertação. 
Juremá enchia-se de cuidados por Jurema.
Tão logo terminou a incorporação cada um voltou ao seu estado d’alma. Uns foram dormir e outros ficaram ali na fogueira.
Nisso ouviram gritos lascinantes!
Meu Deus! Novamente o fio magnético. Novamente Iracema fora atingida pelo feitor Eufrásio!
E tudo se repetiu com as mesmas correrias, até que Pai João liquidou novamente o assunto com nova elevação, desta vez, porém com muito trabalho.
Mais dias decorreram e se notou que Iracema ficava cada dia mais pálida, com ar doente. A partir daí tudo foi de mal a pior.
Certo dia fizeram uma vidência para saber o que deveriam fazer com a pobrezinha da Jurema. Dela participou Vovó Cambina, que viera da Bahia para tirar o quebrando dos filhos da Sinhá. E na sessão daquela noite ela decidiu seguir os seus irmãos naquela jornada.
Vovó Cambina da Bahia “rezou” Iracema e esta com seu passe magnético começou a melhorar. A partir daí, na proporção em que ia se fortalecendo, ia também adquirindo forças para repelir o magnético do feitor.
A essas alturas, porém as coisas já haviam tomado um vulto muito sério.
Ninguém se lembrava mais de Tomaz. Toda a concentração agora era no feitor Eufrásio. Urgia fazê-lo amigo antes que ele os atingisse. Isso porque Pai João explicara que se doutrinassem o feitor ele deixaria de atacar com seu magnético. A partir daí o feitor começou a receber constantes visitas e foi melhorando tanto que chegou a pedir perdão muitas vezes.
Eufrásio passou então a ser o confidente daquele povo!
Sim, Eufrásio fora um grande senhor até o dia que perdera a sua fortuna e sua família devido ao jogo. Com isso fora obrigado a aceitar o triste lugar de feitor naquela fazenda de tragédia.
Mais uma vez a prova de que Homem se liberta por si mesmo...
Sim, enquanto Pai João e Pai Zé Pedro ensinavam a sua doutrina de amor, o feitor ensinava também o que sabia dos mundos por onde andara.
Vovó Cambina da Bahia também o “rezava” todos os dias.
E a vida do arraial, sem ter perdido sua harmonia, só agora, entretanto voltava ao normal das toadas e das alegres fogueiras.
Certo dia, estavam todos assentados, quanto ouviram um barulho no mato, como se fosse um estouro de boiada arrastando tudo...
Eles então carregaram suas espingardas e se entrincheiraram...
Era uma vara de porcos selvagens que por ali passava, felizmente por fora do arraial. Assim mesmos os Nagôs mataram mais de 20 porcos fazendo fartura de carne.
Pai Juvêncio e Zefa eram os únicos que tinham coragem de ir até um lugarejo por nome Abóbora.
Certa feita, chegavam na entrada da cidadezinha, quando Pai Juvêncio viu uma mulher com uma menina meio desacordada nos braços. Ele chamou Zefa e cochichou no seu ouvido. Ela concordou com o que ele disse e ambos benzeram a menina, isto é, tiraram o espírito que estava com ela. A menina ficou boa e Tânia, sua mãe deu a ele algumas frutas que tinha, se desculpando por não ter mais nada.
Juvêncio e Zefa comeram as frutas, trataram dos assuntos que os havia trazido a cidade e voltaram para casa. Ao chegarem, nem bem haviam pisado na soleira da cabana quando sentiram uma violenta dor. Suas barrigas começaram a doer, doer, tanto a ponto de chamarem Vovó Cambina da Bahia para socorrê-los.
Seria veneno?
A disenteria piorava e os dois apresentavam os mesmos sintomas.
- Pobrezinhos! Dizia Pai João. Resolveram tantas coisas para nós nessa viagem! Deve ser provação, deve ser Deus testando seus corações.
Logo mais a noite, todos estavam em torno da fogueira e pedia notícias. Súbito Jurema, que estava ao lado de Pai Zé Pedro, levantou-se bruscamente e, apontando para os dois que estavam abaixadinhos junto a fogueira gemendo de dor, disse:
- Eles comeram prenda, ganha pela sua caridade!
- Como! Disse Pai João.
- Ah! Sim Pena Branca não quer que a gente ganhe nada em troca do que faz!
- Sim, Vovó Agripino também já disse:
- A gente só aprende com o espinho na carne ficando!
-É Pai João, todos nós temos um espinho na carne!
Oh! Meu Deus! Gritaram todos de uma vez, sim estamos conscientes!
Nessa altura, graças a deus, Vovó Cambina já estava chegando com a cuia de chá. Eles após tomarem o chá contaram o que havia acontecido na entrada de Abóbora.
Todos então abraçaram os dois pela sua ação e cantaram em coro;
- Juvêncio e Zefa comeram prenda da caridade que fizeram!
- Sim, receberam pagamento e o Pena branca não gosta de presentes ou de cobre!
Zefa e Juvêncio ainda tiveram uns três dias de dor na barriga.
Tudo foi alegre e passou.
Eufrásio, que agora era o conselheiro do grupo também achou a lição muito importante. Primeiro pelas frutas, uma vez que Pena Branca não aceita paga pelo seu trabalhador mediúnico e segundo pela denúncia de Jurema, que em sua clarividência vira o que se passara.
O pobre casal fora lesado pelas suas mentes preguiçosas.
E tudo está espiritualmente pronto.
Pai Zé Pedro e Pai João se regozijavam da situação. Zé Pedro sempre perguntava:
- O que será de nós, aonde iremos? O que será de nós? Não seria melhor sairmos, em vez de esperar o Mundo aqui? Eu já não suporto mais! Oh! Meu Deus!
- Zé Pedro, dizia Pai João, quando o celeiro está pronto, o Mestre aparece! – são palavras de Vô Agripino!
Pai Zé Pedro, Pai Lourenço, Pai Francisco e muitos outros dos 70 membros daquele grupo estavam inquietos. Menos Pai João e Eufrásio o feitor, que firmes em Vovô Agripino, permaneciam calmos.
Certa manhã Jurema avisou o Pai Zé Pedro que chegaria muita gente para se curar. Os Nagôs se reuniram e se prepararam para recebê-los. Fazia já dois anos que ali estavam.
- Lá vem eles, lá vem eles!
Lá embaixo avistava-se uma enorme fila de gente chegando.
Só se ouvia correr para receber os chegantes.
Zefa e Juvêncio reconheceram entre eles a mulher cuja menina haviam curado e gritaram:
- Jurema, Pai João, Pai Zé Pedro, são gente que vem em busca da caridade! E perguntaram baixinho a Pai João:
- Não tem perigo de nossa barriga doer?
- Não, respondeu Pai João.
E o povo foi chegando e fazendo ambiente.
Que maravilha! Todos estavam felizes, a felicidade dos missionários de Deus!
Tudo foi lindo com suas curas desobsessivas e seu amor, a dedicação de toda aquela gente.
Meus filhos, eu gostaria de contar mais desta história, porém Manezinho, o 7° raio de Yucatã na me deixa. Sabe por quê? Porque ele é também um personagem da Cachoeira do Jaguar.
E você também, meu filho, procure se encontrar nela.
Com carinho
A mãe em cristo. 

TIA NEIVA 

Vale do Amanhecer, 08 de março de 1980