23 de junho de 2017

O Amanhecer das Princesas na Cachoeira do Jaguar: Capítulo IV

Salve Deus!
Meu filho Jaguar!
O dever é obrigação moral da criatura para consigo mesmo em primeiro lugar, em segundo para com os outros. O dever é a lei da vida. Meu filho, a virtude é o mais alto grau onde, o homem encontra sua liberdade espiritual, a virtude é a forma que sobrevive e explica a natureza do homem, porque tudo está  contido em Deus! Sempre estamos a percorrer as ruínas de nossas vítimas, das suas vidas sem preocupação exata de nossa missão. Hoje meu filho, estamos tentando acreditar no que nos dizem os nossos antepassados.
Sim meus filhos, todos já estavam no Congá da Cachoeira do Jaguar. Foi triste aquela noite. Jerônimo havia chegado aos gritos, trouxera a mãe das gêmeas que estava muito mal. Emoções, choros, tristeza e também risos. O fato é que não se sabe como, dormiram. Tão logo o dia clareou todos já estavam tirando palmas, fazendo lindas choupanas. No prazo de oito dias já existia um lindo povoado de palha e duto na melhor sintonia possível. Foi então o dia do grande Congá, todos estavam realmente desejosos. Sim, o menor dos seres vibrava na presença daquele lindo altar formado de palmas. Pai Zé Pedro e Pai João estavam muito felizes aquela noite, pois haviam se encontrado com Henrique de Enoque, e com ele se identificaram. Henrique era um dos nagôs. Juntos entraram na choupana de Jurema que estava ao lado de sua mãe moribunda. Jurema ao sentir os três, ergueu a cabeça e disse como se estivesse dormindo:
- Salve Deus! Seja bem-vindo nesta terra, meu estimado Procurador! É árdua esta missão que escolhestes, de Nagô. Assim assumistes a maior das missões. Oh! Gritou. Como me orgulho de ti filho! Me orgulho de ti, como em poucos tenho o mais puro exemplo de ti filho, de agora em diante.
Nisto abriu os olhos em meio decepcionada voltou para sua mãe e todos correram para ela.
- Oh! Filha! Não sabes o bem que nos fez. Ela começou a chorar dizendo:
- Sim, eu sei. Eu ouvi tudo que disse, apenas não pude me impedir de dizer. Zé Pedro olhou para João.
- Como? Segundo Vô Agripino ela passou por um processo de incorporação consciente. E quem tomou o seu corpo?
- Os Anjos e Santos que prometeram nos proteger nesta jornada. Jurema será a voz direta de Céu, respondeu João.
- Sim, graças a Deus. Então comentaram tudo o que havia se passado. Zé Pedro reconhecera Henrique, o seu velho Procurador romano. Sim, Zé Pedro como imperador o havia mandado a Pompéia e agora o reconhecera, porém não estivera tão seguro, até que Jurema fizesse aquela grande afirmação. Os dois voltaram a se encontrar e no mesmo primitivo lugar. Pai João filosofando disse:
- Todos somos livres neste mundão de meu Deus! Até mesmo para acreditar, desejar, escolher, fazer e obter; mas, todos somos também constrangidos a penetrar nos resultados de nossas próprias obras. Não existe direito sem obrigação e nem equilíbrio sem consciência.
- Neste caso a consciências de Jurema é equilíbrio?
- Graças a Deus, por isso me faz tanto bem, João.
- Sim João, e mãe de Jurema irá morrer?
- Não Zé Pedro. A doença é apenas o conflito do seu estado externo, falta de energia física. Não precisamos nos preocupar.
- Aceito sua afirmação João. Fico feliz e seguro de saber de seus sonhos com Vô Agripino. Seria tão bom se eu também pudesse sonhar com ele, porém devemos agradecer a Deus de termos você.
- Sim, Zé Pedro, porém ele ralha muito comigo!
- Sim, João, eu também tenho um Índio. Eu já lhe disse, não?
- É verdade, Zé Pedro, é verdade. E sabes mais, Zé Pedro? Fui informado que o Vô Agripino é Pai Espiritual deste índio.
- João, espera, vamos devagar...
Nisto um grito de alegria mudou a sintonia dos dois. Era o escandaloso do Tomaz que havia visto um pequeno barco trazendo a Sinhazinha Janaína.
- Vê, disse Zé Pedro, Jurema bem que disse ter visto uma linda loura e um crioulo e também que traziam belas mantas para as crioulas.
- Sim, vamos Zé Pedro, cuidado! Você está fazendo muitas observações, isto é muito perigoso. Deixe que as coisas decorram sem muita precisão de sua cabeça.
- Desceram todos e a chegante parecia que já havia sido esperada. Tudo calmo desembarcou com realmente muitas mantas e pequenos terços. E chamando Jurema foi também lhe entregando a sua bagagem. Vendo Pai João e Pai Zé Pedro perguntou se a sua visitante poderia viver ali com eles.
- Sim
- Como? – disse Pai João, veio morar conosco?
- Sim, disse a Sinhazinha.
- Meu Deus! Quantas complicações! Pensou Pai João.
- Meu Pai é dono de engenho e tem grandes negócios na Europa. Minha mãe morreu e eu sonhei que nesta Cachoeira alguém me esperava. Viemos eu e Chiquito para nunca mais voltar. Libertei todos os negros que estavam no tronco e sei que eles também virão. Chiquito vai descer novamente, virar o barco e voltar a pé. Depois de alardear o meu afogamento. Todos pensarão que morri.
Neste ínterim todas as jovens já estavam juntas, dando risadas. A euforia era tão grande que não houve sessão no Congá. Tudo ia correndo mais ou menos, todos se conhecendo melhor. Então uma grande harmonia foi evoluindo aquela gente. Pai Zé Pedro cada dia se evoluía no aprendizado de Pai João. Em vez de sessão no Congá eles gostavam mais das histórias doutrinárias de Pai João. Naquela noite, estavam todos sentados diante de uma linda fogueira atiçada por Pai Joaquim e Mãe Dita.
Em resumo, ali acontecia, a doutrina secreta, mãe das religiões e das filosofias, que se reveste de aparências diversas no correr das idades, porém sua base permanecendo imutável em toda parte. Sim, nascida simultaneamente na Índia e no Egito, passando daí para o Ocidente com a onda das imigrações. Assim é que por toda parte, através da sucessão dos tempos e dos rastros dos povos, afirma-se a existência de um ensino secreto que se encontra idêntico no fundo de todas as grandes concepções religiosas ou filosóficas. Os sábios, os pensadores, os profetas dos templos e dos países mais diversos, nela acham a inspiração, a energia que faz transformar em empreender as grandes coisas que aliviam as almas e equilibram a sociedade.
Todos se preocupavam com a fogueira, enquanto Pai João cochilando ouvia todas essas coisas, estas lições, estes ensinos. Mal sabia Pai João, ia gravando tudo isso no fundo de sua alma, junto com a paz, uma serenidade e uma força moral incomparável. Todos sorriam, sem se lembrar do feitor que repousas inerte na última choupana. Como a união faz a força, se obtém geralmente resultados satisfatórios sobre os encarnados. Todos estavam descontraídos, e desprevenidos, alheios aos seus pensamentos exceto Jurema, que não saía da cabeceira de sua mãe.
E no meio daquela noite, surgiu um triste espetáculo: Jurema, com um pedaço de madeira na mão, gritava escandalizando todo mundo, como se fosse o próprio feitor!
- Negros desgraçados, preguiçosos! E se atirando em cima de todos e de olhos fechados. Espraguejava contra Zé Pedro.
- Vem negro desgraçado, vem me matar!
Pai Zé Pedro vendo que ela poderia cair na fogueira foi segurá-la. Qual nada! Jurema investiu contra ele e o agrediu. Pai João foi ao encontro e dos dois se machucavam. Jurema estava sem a razão. Pai João levantou os braços e em genuflexão, na força do chamado Deus africano, gemeu como um leão dizendo:
- Oh! Obatalá, Oh! Obatalá, Oh! Obatalá. Entrego esta ovelha para o teu redil! 
Jurema soltou o cacete e saiu cambaleando num pranto doloroso. Pai Zé Pedro enxugando o sangue do rosto acariciava Jurema, que lhe enchia de perguntas.
- Não tens raiva de mim? Não te zangastes?
- Não filha, ele disse por fim. Conheço o fenômeno e tu só me fazes bem. Jurema levantando os grandes olhos rasos d’água, emitiu a Zé Pedro toda a sua ternura”. Zé Pedro sentiu todo amor de sua vida. Os dois percorreram o transcendente e como por ventura, Jurema viu o famoso Procurador que a cortejava, e a quem tanto amava. Então ali permaneceram sem que ninguém os reparasse. Porque todos estavam empolgados no fenômeno. Pai João fez aquela emissão ou elevação com toda força dos  seus sentimentos. Sentindo as dores do fenômeno, voltou para o  mesmo lugar, voltando também a ouvir Vô Agripino.
 Salve Deus! Viu João? Fizeste tudo tão perfeito, porque tens constantemente livre o teu sol interior. Te entregastes ao Cristianismo, esquecendo-te de ti mesmo. Sim, o ensino é como pétalas de rosa que caem em nossas mentes. Enquanto vai orvalhando os três reinos de nossa natureza.
- E o centro coronário, que me ensinastes uma vez?
- Sim, este guarda as pérolas que levamos para a vida eterna. E disse mais:
- Não te assustes com Zé Pedro. Não te esqueças de que ele apenas tem 40 anos aí na terra.
Pai João meio confuso, viu que Zé Pedro, ainda falava com Jurema. Então voltou a fazer outras perguntas ao seu Vô Agripino, e este, entrou, entre outros esclarecimentos disse:
- João, sabes quem tomou o aparelho de Jurema?
- Não meu vô, quem?
- O feitor!
- O feitor? Como? Ele morreu?
- Não, o seu ódio é tão grande que ele se desprende do corpo e faz o que fez.
- Meu Deus!
- Sim, e não poderás, dizer nada guarde tudo para ti mesmo, porque esta gente não tem capacidade de assimilar tudo isto.
- Oh! Meu Obatalá! Tenho medo! E Zé Pedro?
- Sim, nem Zé Pedro. Ele será feliz, porque saberá respeitar o seu grande e imortal amor.
- e Japuacy?
- Japuacy? Veja João. Pai João deu uma grande risada.
Sim meu filho Jaguar, vou terminar a reforma da Sala de Cura com Rafael e Fabrício e não tenho de escrever, mais, porém na próxima semana darei a vocês mais uma parte. Com carinho.
A mãe em Cristo.


TIA NEIVA


Vale do Amanhecer, 05 de janeiro de 1980