9 de fevereiro de 2016

Psiquiatra


Meu filho jaguar,                                                                                                
Pondera o chão dos teus pés e verás que todos os teus caminhos serão retos porque, filho, a nossa lista é longa e, por cima dela, estamos a apagar os nossos rastros.
Confio em vós outros na evolução desta corrente, porque o Pai Seta Branca não segurou minha mão, mesmo nos primeiros passos de minha vida iniciática. Os fenômenos, somente, não nos esclarecem, pelo contrário, nos trazem conflitos. Só tomamos conta de nós nas coisas que caem em nossa individualidade, que remoemos junto ao coração.
Vou contar a você, filho, como tudo começou dentro de mim. Sim, filho, a minha personalidade marcante, científica, não me dava trégua. Vivia a comparar se tudo ou todas aquelas visões não passassem de uma estafa absurda. Eu estava com caminhões, conversando com o Dr. Saião.  Ele ventilou a hipótese de ir a um psiquiatra. Tudo muito bem.  Saí dali conformada, que tudo era de minha cabeça. O Dr. Saião me tinha como uma filha e compreendia o meu conflito, também desconhecido por ele.
Passando pela Vila do I.A.P.I. entrei, era um acampamento de hospital de socorro. Depois de um grande custo me sentei em frente do cientista e fui me expondo, contando tudo que se passava comigo. Sentia que alguém vinha nos perturbar.  Realmente, alguém chegou em minhas costas.  Era o pai do psiquiatra que havia morrido há sessenta e dois dias. Comecei a ficar com a voz ofegante. Aquela situação me oprimia. Como explicar o que eu estava sentindo ao jovem médico? Comecei a fazer mímicas, apontando com o polegar o lugar onde o mortinho estava, ao meu lado. Ele apenas dizia: Não é nada, não é nada. Porém, quando eu fazia menção de me levantar, eu notava que ele se resguardava com medo.  E o mortinho insistia:
- Diga, diga, que sou Juca, o seu pai, diga!
- Nada! - disse eu alto - Nada!  Chega de vocês, figurinhas, me colocarem em ridículo.
O médico disse alto:
- Quietinha, quietinha!
Fiquei quieta e começamos novamente:
- Quantos anos tem, perguntou.
-Tenho, vou fazer 34 anos.
De repente, o mortinho voltou e eu lhe disse:
-Olha, Dr., tem um mortinho que se diz chamar Juca e é o seu pai e que tem 62 dias que morreu.
Foi, então, que tive a maior prova. O médico se levantou, quase gritando:
-É realmente meu pai!  Meu adorado paizinho!
Quebrei a porta do escritório, não sei como! E saí dali pior do que cheguei. O fenômeno tão real não me servia.
Já na minha casa, chorava, sem esperanças. Mais ou menos, três dias depois, fui trabalhar. Peguei o caminhão e fui descendo a primeira avenida Senti que havia atropelado alguém. Um guarda que estava ali perto chegou, dizendo, logo que eu falei o que se passava comigo:
-Procura um terreiro, morena.
Conflito, conflito... Desci até o bar do japonês e resolvi levar o carro e não trabalhar mais.  Fiquei na porta do bar que era, também, posto. Em frente de um estacionamento de uma empresa de ônibus, algumas pessoas esperavam o carro para partir em diversos lugares. Nisto, eu vi na cabeça de um jovem, de mais ou menos vinte e seis anos, como uma imagem de televisão, uma mulher de vestido branco de bolas vermelhas e que se movimentava, fechando uma sombrinha azul escura. Vi os dois se beijando, porém o jovem embaixo deste quadro não se movimentava. Alguns segundos depois, eu vi a mulher virando uma esquina.  Sim, ela chegou e fechou a sombrinha e os dois se beijaram. Sim, vi detalhe por detalhe. Nisto uma voz soprou em meu ouvido:
- Tens o poder de prever o futuro e o presente! 
De repente, enquanto os dois estavam, vi ônibus chegando, vi os dois entrando e vi tombando e vi seis mortos, inclusive a mulher do vestido de bolinhas!  Era claro que iriam morrer!
A curva era ali perto!
- Não deixarei!E assim, pensando em salvá-los, segurei no braço do jovem e puxei-o para dentro do bar. A mulher veio em cima de mim, me decompondo e eu me limitava apenas a dizer:
- Quero salvar vocês !  Porém era pior. Nisto, o ônibus chegou e partiu. Nem o vi, apenas me defendia.  Nisto o Japão e sua esposa vieram ao meu encontro e eu disse o que tinha acontecido comigo e o que vira.  Porém, a curva era ali perto e logo tudo terminou. Enquanto ela me descompunha por ciúmes de mim, eu imersa em meus pensamentos: Será verdade? Como terminará tudo isto, meu Deus?
Logo ouvimos o barulho. O ônibus tombara matando quatro pessoas. Foi o pior espetáculo. Gritos, correria...E o casal japonês...Todos, agradecimento... Porém, eu não sabia o que me ia na alma.  Somente uma coisa:  Conheço o presente, o passado e posso evitar o futuro, se Deus permitir.
Saí dali sem saber. Caminhava só, somente só. Pensava:  Adeus, minha mocidade, porém, seja o que Deus quiser.
Apesar das pessoas me assediarem com pedidos, me aborrecerem. Porém, de uma coisa eu estava certa:  Pisava ponderadamente no chão e tinha dentro de mim a individualidade. O meu raciocínio descobriu o que significava a minha missão.
Sim, filho, devagar chegamos na nossa realidade.

Com carinho,, 
A Mãe, em Cristo Jesus.

Tia Neiva
Vale do Amanhecer, 23 de maio de 1981.